sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Sebos e alfarrábios, promovendo a cultura

    Alagoas tem grandes escritores, muitos deles em atividade, outros vivos através de suas obras, essas realmente imortais. Também sedia uma bienal internacional, já em sua 5ª edição e um festival firmado no calendário nacional, a Flimar - Festa Literária de Marechal Deodoro. Ainda assim, é inegável a carência de livrarias e o distanciamento de grande parte da população em relação à literatura. Entretanto, ideias e narrativas impressas continuam fluindo, ainda que em pequenas nascentes.

As livrarias não sobrevivem às baixas vendas? Sebos, alfarrábios e bancas de jornais resistem.

No Centro de Maceió, em um trecho da Rua Barão de Atalaia, o tradicional “paredão” continua sendo o local ideal na busca por livros usados. Alguns dos antigos proprietários das primeiras bancas de madeira conseguiram prosperar e se mudaram para lojas, transformadas em alfarrábios. Ainda assim, a imensa parede da Assembleia Legislativa que deu nome ao coletivo de barracas e sebos continua cercada por bancas, algumas de madeira, outras de metal, sua contribuição cultural bem maior do que seus ganhos diários. Muitos leitores começaram ali, com os gibis, antes de passar aos livros.

Na Rua Uruguai, em Jaraguá, a livraria e sebo Dialética, persiste e se reinventa, à serviço da cultura. Não apenas um local de vendas, mas um ponto de encontro para leitores e autores, graças ao empenho de seu idealizador, Marcos de Farias.

Infelizmente, uma baixa nessa batalha deve ser mencionada. O que teria acontecido ao grande acervo da charmosa Livro Lido, que funcionava na Rua Sá e Albuquerque? Melhor acreditar que todo aquele volume de livros apenas evaporou e torcer para que tenha se derramado nas mãos de leitores por todo o estado.

Os usados podem estar restritos a esses e outros locais, mas os livros novos encontraram outros caminhos, com a diminuição no número de livrarias. É hora de dar uma passada em algumas bancas de jornais...

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Literatura em Alagoas

    Os contrastes e extremos de Alagoas também se apresentam no universo literário. Temos autores e obras consagrados, eventos e iniciativas de grande porte, mas também o desinteresse pela leitura e escassez de livrarias. A literatura não está entre as prioridades de grande parte da população.

    Mas a literatura é líquida. Flui e não admite estagnação. É água que sacia o intelecto, vinho que embriaga e inspira ideias. Semelhante à água, sempre encontra uma forma de seguir adiante. E, assim como o vinho não deve ser condenado à mera exibição em adegas empoeiradas, também não deve ficar confinada a uma biblioteca virtual de referências, de onde o nome de um autor ou o título de um livro é buscado de vez em quando, apenas para uma citação vaidosa. É preciso que haja consumo.

    Esse fluxo contorna dificuldades, continua existindo e ressurgindo, ainda que em pequenas fontes. Seguir estas correntezas é necessário para entender nossa cultura, com todas as suas virtudes e deficiências.

Nos próximos posts, vamos observar algumas das trilhas pelas quais seguem os livros, através das quais autores e leitores se encontram, em Alagoas.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Viver em Alagoas

    Segunda-feira, 26 de dezembro. Sexto dia na contagem regressiva para 2012. Manhã de sol, mormaço irritante ao meio dia, clima ameno durante a tarde. Viver em Alagoas é amar e detestar suas várias faces, com a mesma intensidade.

    Já são dez da noite e tem início uma tentativa de relembrar, catalogar, selecionar e ordenar as memórias do dia para criar o primeiro post do blog (ou o primeiro post do blog tentando escapar da placenta-prisão, cansado de tanta inércia, arrastando consigo toda e qualquer memória que consegue pegar, para recobrir seu esqueleto-rascunho), com a pretensão de que este não seja mais um projeto a ficar pelo caminho. Planos interrompidos ou abandonados, a história de uma vida. Mas isso apenas faz parte da vida do autor e essa não é a história a ser contada. Existem inúmeras histórias acontecendo todos os dias e observá-las e contá-las é a única forma de tentar explicar o que significa viver em Alagoas.

Mas o dia começou muito antes do início desse texto. E, para cada um de nós, o dia tem início onde acordamos. No Jacintinho, sempre começa com o som de um bairro popular, barulhento, mas confortável. Nos minutos confusos do despertar, as constantes: chuveiro, creme dental, ligar a tv depois de lembrar novamente da falta que um rádio faz pela manhã, a xícara obrigatória de café e colocar o lixo na porta.

A coleta em dias alternados sempre proporciona uma decoração colorida ao longo da rua. Nas calçadas, sacolas de supermercados ou padarias se tornam sacos de lixo, aguardando os garis. Mas quem chega primeiro são aqueles que procuram, nas sobras e descartes, conseguir materiais para reciclagem. Ou mesmo comida. As estatísticas afirmam que muitos brasileiros saíram da situação de miséria. Talvez em outros estados. Aqui, nunca se viu tantos tentando sobreviver da forma mais miserável. Um homem moreno, provavelmente jovem, mas com aparência desgastada, pede licença enquanto retira garrafas e latas de uma das sacolas, apressando-se ao ver o caminhão e os garis na esquina.

Os minutos correm, rotina relevante apenas para o autor e, então, pé na estrada, a caminho do trabalho.

No primeiro ponto de ônibus na Rua Cel. Paranhos, é possível ver, através de um beco estreito, os prédios e o mar de Pajuçara. Por toda a extensão dessa rua, a cena se repete, a beleza distante das praias e edifícios entre molduras de casas simples ou cercas escurecidas. Uma característica desse mundo chamado Alagoas. Riqueza, pobreza, beleza, feiura. Tudo entrelaçado, mas inconciliável. O ônibus finalmente se aproxima.

O coletivo faz uma curva à esquerda sobre o Viaduto União e Força, seguindo para a Av. Leste-Oeste e à direita a Rua Cleto Campelo vai ficando para trás. É ali que começa o estrangulamento no trânsito do Jacintinho e esse assunto merece um texto inteiro, melhor falar sobre isso em outra oportunidade.

Ao passar pelo terminal rodoviário João Paulo II, um acumulado de tragédias e injustiças se apresenta na forma de uma mulher idosa, obesa, com olhar irritado, alojada sob o abrigo de um ponto de ônibus. Há cerca de oito meses, ela vivia em uma praça, em frente à igreja de Santa Rita, no Farol, templo eternizado em uma música de Djavan. Muitas vezes, era vista discutindo com outros moradores de rua ou até ambulantes da região. Talvez por isso tenha saído de lá e se refugiado na calçada da rodoviária. A mulher apresenta visível confusão mental. Se ela foi parar nas ruas por causa de um distúrbio psiquiátrico ou se a vida nas ruas causou a doença, já não importa mais. Do banco de cimento onde passa dias e noites, às vezes sentada, às vezes tentando dormir, ela precisa de ajuda, mas já não espera e nem pede nada a ninguém. O ônibus se afasta e os passageiros que olhavam a mulher voltam a pensar em suas próprias vidas.

Sobre a ponte que liga Feitosa e Farol, o trânsito flui surpreendentemente bem e dessa vez quase não há tempo para se observar a lenta urbanização do Vale do Reginaldo. Outro ponto a ser comentado com mais atenção, futuramente.
Já no local de trabalho, mais ações mecânicas, mais rotina, até o momento em que se troca o presencial, pelo virtual. Diante do notebook, a percepção se reconfigura. As horas se tornam rápidas, mas estranhamente largas, de uma forma que apenas essa geração experimentou, desde o começo da civilização. Milhões de fatos e intenções e histórias e vidas são comprimidos, compactados e se tornam acessíveis, em telas de computador. Palavras, sons, imagens, resumindo o que vivenciamos e tudo o que não pudemos viver.
Mas um só tema, com duas faces, ocupa cada site de notícias e permeia as redes sociais. A violência, em suas manifestações físicas ou intelectuais. A que derrama sangue ou a que sangra o dinheiro público. Cometida por assaltantes ou políticos. Sem preconceito, sem discriminações, atingindo a todos. Uma população inteira em guerra civil, culpada em vários níveis por sua triste condição.
O foco na violência também gera um aspecto cruel e perverso. As boas notícias, os feitos produtivos, arte, cultura, ideias positivas, tudo o que poderia inspirar ações semelhantes, acaba sendo ofuscado, se torna desinteressante, aos olhos da maioria. Não se trata de ocultar a realidade feia, dos crimes. É preciso informar e conhecer os fatos, claro. Mas nem todas as pessoas e iniciativas boas ou as praias mais bonitas do nordeste ou os artistas, nada, conseguiu ter mais destaque em Alagoas, durante 2011, do que a violência.
Esse flagelo não fica satisfeito em mutilar, corromper, matar, perverter, roubar. A violência fascina e impede que boas sementes germinem ou que recebam atenção. E as que conseguem sair dessa sombra, infelizmente, se veem sozinhas. A estupidez humana, basicamente um produto da ignorância e da mesquinhez, essencialmente o avesso do diálogo e da união, aprendeu a usar a força do que nos faz melhores, a comunicação. O mal em nós está vencendo, seja em quem o pratica ou em quem não consegue ver além dele. A menos que...
E se cada internauta procurasse algo de bom acontecendo em Alagoas? E comentasse, divulgasse, seja no Twitter, no Orkut, no Facebook, em fóruns e sites? E se não fizesse isso apenas na socialização virtual, mas também em seu local de trabalho, de estudo, com os amigos e a família?
De imediato, seria uma ação de (Curioso: a primeira palavra que surge para complementar ‘ação’ é ‘guerra’! Qual seria a alternativa, o antônimo? Existe toda uma infinidade de sinônimos para o combate e quantos para a solução pacifica? Vejamos...) cultivar (Ei, até que não foi difícil!) informações e usar a comunicação para que as histórias benéficas se tornem a regra e não a exceção. A médio e longo prazo haveria uma reconfiguração de valores. Não apenas uma questão de falar mais das coisas boas do que das ruins, mas de valorizar tanto as boas que seria possível desfazer as ruins. 
Na hora do almoço, uma carona providencial, o mormaço citado no começo do texto, a refeição praticamente engolida com pouca mastigação (crianças, não façam isso em casa), alguns minutos diante da TV e uma história sobre duas irmãs adolescentes reafirma a característica essencial de Alagoas. Acometidas por esclerose múltipla, c/ dificuldades para andar e abrir as mãos, vivendo no sertão, em um estado onde os médicos recomendam médicos de outros estados, as duas meninas ainda mantém sorrisos sinceros, verdadeiros. Algo de bom se sobressai em meio à tristeza. É só olhar corretamente.
Mais uma vez, ônibus, trabalho, ônibus, “Wilma, cheguei!”, jantar, diálogos sobre diversos assuntos na mesa e na sala, programação desinteressante na TV ( Sim, o autor não se envergonha em admitir que é escravo do televisor, mesmo com todos os protestos da esposa) e, de repente, a ideia surge, pouco antes das dez da noite. Comprometer-se a escrever um diário que tem a pretensão de mostrar o que significa viver em Alagoas. A primeira arrancada dura até pouco depois da meia-noite. O texto é retomado na noite seguinte, quando faltam cinco dias para o fim do ano e concluído nas primeiras horas do quarto dia da contagem regressiva para 2012.
Se alguém estiver lendo, parabéns e cuide-se. Sua paciência e tolerância a textos esquisitos e longos é uma virtude, mas também pode indicar algum transtorno.
Até a próxima.